Se depressão matasse
Eu não viveria; morreria
Se depressão ensinasse
eu não ensinaria; aprenderia
Se depressão ajudasse
eu não sofreria; desfrutaria
Mas é fato que estou morrendo
é fato que estou aprendendo
é fato que estou desfrutando
Pois um dia minha chama apagará
e quero que tenha valido a pena
mantê-la acesa
ainda que por mera teimosia
ainda que mera mesmice
ainda que por mim
ainda que por você
cá estou eu
tentando
teimando
viver
quarta-feira, 23 de maio de 2012
quarta-feira, 21 de março de 2012
Agradar muito com pouco
"Dizem que a mulher é sexo frágil...". Um dia desses homenageamos, cantando para um grupo de mulheres da escola onde trabalho. É gozado como é fácil para um homem demonstrar reconhecimento com pequenos e rápidos gestos. Mas me pergunto se seria fácil para a massa masculina, além deste dia, estender o reconhecimento deste maravilhoso e tão mutável universo feminino, no vai-e-vem do cotidiano.
Hoje li que se pode "homenagear" (leia-se "amaciar") uma mulher com até 100 reais. É claro que a matéria jornalística tem um quê de verdade, mas é ingênuo o homem que vê neste estratagema o meio para ganharmos a tão polêmica e pouco reconhecida "guerra dos sexos". Para os mais engajados, principalmente para o bloco dos "macho-men" e "mulheres no poder", dar um presente serviria apenas como um cala-boca, tal e qual é feito com o indígena, ao se comemorar o seu dia.
O fato é que perdemos muito com tudo isso. Perdemos nas grandes conquistas (a longo prazo), se nos prendemos em flores, caixas de bombons e arranjos musicais. Gastar cem reais quando ainda há mulheres que, embora tenham mais estudos, ganham menos que os homens, seria reconhecimento?
Sejamos racionais, companheiros machos: elas são três vezes mais tolerantes à dor, possuem milhões de neurônios a mais e ainda por cima existem em maior quantidade do que nós.
Creio que já está passando do tempo de controlarmos a situação. Talvez dividir o poder seja a melhor saída. Se elas resolverem se unir, certamente esta guerra estará perdida!
Recomendo esta simples e diplomática estratégia: Reconhecimento cotidiano; custa pouco mas vale muito.
domingo, 18 de março de 2012
Paródia poética/musical: momento de leseira baré
Era uma escola muito engraçada
Já tinha quadra
faltava nada
Ninguém podia usar ela não
porque lá tinha muuuito ladrão
Ninguém podia
ensinar direito
porque por lá não havia respeito
Ninguém podia
Lá ir calmamente
porque na rua assaltavam a gente
Mas ela é feita
com muito esmero
por quem acredita
que a ESCOLA é o meio!
Já tinha quadra
faltava nada
Ninguém podia usar ela não
porque lá tinha muuuito ladrão
Ninguém podia
ensinar direito
porque por lá não havia respeito
Ninguém podia
Lá ir calmamente
porque na rua assaltavam a gente
Mas ela é feita
com muito esmero
por quem acredita
que a ESCOLA é o meio!
Conto produzido por quem sabia das coisas!
Contos: A Carteira[1]
Machado de Assis
... DE REPENTE, Honório olhou para o
chão e viu uma carteira. Abaixar‑se, apanhá‑la e guardá‑la foi obra de alguns
instantes. Ninguém o viu, salvo um homem que estava à porta de uma loja, e que,
sem o conhecer, lhe disse rindo:
– Olhe, se não dá por ela; perdia‑a de
uma vez.
– É verdade, concordou Honório
envergonhado. Para avaliar a oportunidade desta carteira, é preciso saber que
Honório tem de pagar amanhã uma dívida, quatrocentos e tantos mil‑réis[2], e
a carteira trazia o bojo recheado. A dívida não parece grande para um homem da
posição de Honório, que advoga; mas todas as quantias são grandes ou pequenas,
segundo as circunstâncias, e as dele não
podiam ser piores. Gastos de família excessivos, a princípio por servir a
parentes, e depois por agradar à mulher, que vivia aborrecida da solidão; baile
daqui, jantar dali, chapéus, leques, tanta cousa mais, que não havia remédio
senão ir descontando o futuro. Endividou‑se. Começou pelas contas de lojas e
armazéns; passou aos empréstimos, duzentos a um, trezentos a outro, quinhentos
a outro, e tudo a crescer, e os bailes a darem‑se, e os jantares a comerem‑se,
um turbilhão perpétuo, uma voragem.
– Tu agora vais bem, não? Dizia‑lhe
ultimamente o Gustavo C..., advogado e familiar da casa.
– Agora vou, mentiu o Honório. A verdade
é que ia mal. Poucas causas, de pequena monta, e constituintes remissos; por
desgraça perdera ultimamente um processo, com que fundara grandes esperanças.
Não só recebeu pouco, mas até parece que ele lhe tirou alguma cousa à reputação
jurídica; em todo caso, andavam mofinas nos jornais. D. Amélia não sabia nada;
ele não contava nada à mulher, bons ou maus negócios. Não contava nada a
ninguém. Fingia‑se tão alegre como se nadasse em um mar de prosperidades.
Quando o Gustavo, que ia todas as noites à casa dele, dizia uma ou duas
pilhérias, ele respondia com três e quatro; e depois ia ouvir os trechos de
música alemã, que D. Amélia tocava muito bem ao piano, e que o Gustavo escutava
com indizível prazer, ou jogavam cartas, ou simplesmente falavam de política.
Um dia, a mulher foi achá‑lo dando muitos beijos à filha, criança de quatro
anos, e viu‑lhe os olhos molhados; ficou espantada, e perguntou‑lhe o que era.
– Nada, nada.
Compreende‑se que era o medo do futuro e
o horror da miséria.
Mas as esperanças voltavam com
facilidade. A idéia de que os dias melhores tinham de vir dava‑lhe conforto
para a luta. Estava com, trinta e quatro anos; era o princípio da carreira:
todos os princípios são difíceis. E toca a trabalhar, a esperar, a gastar,
pedir fiado ou: emprestado, para pagar mal, e a más horas. A dívida urgente de
hoje são uns malditos quatrocentos e tantos mil‑réis de carros. Nunca demorou
tanto a conta, nem ela cresceu tanto, como agora; e, a rigor, o credor não lhe
punha a faca aos peitos; mas disse‑lhe hoje uma palavra azeda, com um gesto
mau, e Honório quer pagar‑lhe hoje mesmo. Eram cinco horas da tarde. Tinha‑se lembrado de ir a um agiota, mas
voltou sem ousar pedir nada. Ao enfiar pela Rua. da Assembléia é que viu a
carteira no chão, apanhou‑a, meteu no bolso, e foi andando. Durante os
primeiros minutos, Honório não pensou nada; foi andando, andando, andando, até
o Largo da Carioca. No Largo parou alguns instantes, ‑‑ enfiou depois pela Rua
da Carioca, mas voltou logo, e entrou na Rua Uruguaiana. Sem saber como, achou‑se
daí a pouco no Largo de S. Francisco de Paula; e ainda, sem saber como, entrou
em um Café. Pediu alguma cousa e encostou‑se à parede, olhando para fora. Tinha
medo de abrir a carteira; podia não achar nada, apenas papéis e sem valor para
ele. Ao mesmo tempo, e esta era a causa principal das reflexões, a consciência
perguntava‑lhe se podia utilizar‑se do dinheiro que achasse. Não lhe perguntava
com o ar de quem não sabe, mas antes com uma expressão irônica e de censura.
Podia lançar mão do dinheiro, e ir pagar com ele a dívida? Eis o ponto. A
consciência acabou por lhe dizer que não podia, que devia levar a carteira à
polícia, ou anunciá‑la; mas tão depressa acabava de lhe dizer isto, vinham os
apuros da ocasião, e puxavam por ele, e convidavam‑no a ir pagar a cocheira.
Chegavam mesmo a dizer‑lhe que, se fosse ele que a tivesse perdido, ninguém
iria entregar‑lha; insinuação que lhe deu ânimo.
Tudo isso antes de abrir a carteira.
Tirou‑a do bolso, finalmente, mas com medo, quase às escondidas; abriu‑a, e
ficou trêmulo. Tinha dinheiro, muito dinheiro; não contou, mas viu duas notas
de duzentos mil‑réis, algumas de cinqüenta e vinte; calculou uns setecentos mil
réis ou mais; quando menos, seiscentos. Era a dívida paga; eram menos algumas
despesas urgentes. Honório teve tentações de fechar os olhos, correr à
cocheira, pagar, e, depois de paga a dívida, adeus; reconciliar‑se‑ia consigo.
Fechou a carteira, e com medo de a perder, tornou a guardá‑la.
Mas daí a pouco tirou‑a outra vez, e
abriu‑a, com vontade de contar o dinheiro. Contar para quê? era dele? Afinal
venceu‑se e contou: eram setecentos e trinta mil‑réis. Honório teve um
calafrio. Ninguém viu, ninguém soube; podia ser um lance da fortuna, a sua boa
sorte, um anjo... Honório teve pena de não crer nos anjos... Mas por que não
havia de crer neles? E voltava ao dinheiro, olhava, passava‑o pelas mãos;
depois, resolvia o contrário, não usar do achado, restituí‑lo. Restituí‑lo a
quem? Tratou de ver se havia na carteira algum sinal. "Se houver um nome,
uma indicação qualquer, não posso utilizar-me do dinheiro," pensou ele.
Esquadrinhou os bolsos da carteira. Achou cartas, que não abriu, bilhetinhos
dobrados, que não leu, e por fim um cartão de visita; leu o nome; era do
Gustavo. Mas então, a carteira?... Examinou‑a por fora, e pareceu‑lhe
efetivamente do amigo. Voltou ao interior; achou mais dous cartões, mais três,
mais cinco. Não havia duvidar; era dele. A descoberta entristeceu‑o. Não podia
ficar com o dinheiro, sem praticar um ato ilícito, e, naquele caso, doloroso ao
seu coração porque era em dano de um amigo. Todo o castelo levantado esboroou‑se
como se fosse de cartas. Bebeu a última gota de café, sem reparar que estava
frio. Saiu, e só então reparou que era quase noite. Caminhou para casa. Parece
que a necessidade ainda lhe deu uns dous empurrões, mas ele resistiu.
"Paciência, disse ele consigo; verei amanhã o que posso fazer."
Chegando a casa, já ali achou o Gustavo, um pouco preocupado; e a própria D.
Amélia o parecia também. Entrou rindo, e perguntou ao amigo se lhe faltava
alguma cousa.
– Nada.
– Nada?
– Por quê?
– Mete a mão no bolso; não te falta
nada?
– Falta‑me a carteira, disse o Gustavo
sem meter a mão no bolso. Sabes se alguém a achou?
– Achei‑a eu, disse Honório entregando‑lha.
Gustavo pegou dela precipitadamente, e olhou desconfiado para o amigo. Esse
olhar foi para Honório como um golpe de estilete; depois de tanta luta com a
necessidade, era um triste prêmio. Sorriu amargamente; e, como o outro lhe
perguntasse onde a achara, deu‑lhe as explicações precisas.
– Mas conheceste‑a?
– Não; achei os teus bilhetes de visita.
Honório deu duas voltas, e foi mudar de toilette para o jantar.
Então Gustavo sacou novamente a
carteira, abriu‑a, foi a um dos bolsos, tirou um dos bilhetinhos, que o outro
não quis abrir nem ler, e estendeu‑o a D. Amélia, que, ansiosa e trêmula,
rasgou‑o em trinta mil pedaços: era um bilhetinho de amor.
[1] Fonte:
Texto
proveniente de:
A
Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro
A
Escola do Futuro da Universidade de São Paulo. Permitido o uso apenas para fins
educacionais.
[2] Acredita-se
que este valor, em reais atualizados, chegaria a mais de R$ 30.000,00! (fonte: http://pt.wikipedia.org/réis)
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