Em
uma sociedade hierarquicamente organizada, todas as instituições possuem papéis
sociais definidos e existem unicamente como estrutura material e humana para o
atendimento dos interesses coletivos. A palavra “depósito”, na língua portuguesa,
tem sua origem do vocábulo latino “deposìtum,i” que significa “o que se põe ou
local em que se põe um objeto”[1].
Se analisarmos as escolas enquanto instituições e a palavra em questão, veremos
aspectos inspiradores e também devastadores nas concepções modernas que tendem
a recair sobre as instituições de ensino.
Partindo
da pior análise, vemos que a vida moderna tem, de um modo geral, “obrigado”
pais e responsáveis legais dos menores em idade escolar a recorrerem às escolas
como locais para o depósito de seus filhos/tutelados. No entanto, se pesquisarmos
nos anais da literatura e dos dramas familiares, veremos que desde tempos
antigos o uso de instituições de ensino como depósito já existia. Antigamente, os
famosos “colégios internos” encerravam em seus portões histórias de abandono
social praticado em nome da moral e dos bons costumes, ou mesmo em nome de uma
vida menos atribulada, onde as famílias podiam seguir seus caminhos sem ter que
se preocupar com os jovens problemáticos. Pagavam grandes somas em dinheiro
para que as escolas escondessem seus filhos e suas vergonhas familiares, em
nome do “bom nome”. Assim, as escolas
“sumiam” com aquelas “ovelhas negras” e devolviam para o convívio social homens
e mulheres formados. Nesse
sentido, as escolas de hoje parecem encerrar os mesmos dramas e as mesmas
hipocrisias sociais. Não raro é encontrarmos relatos de educadores que são
obrigados a conviver com alunos problemáticos, cujos pais ou responsáveis
parecem ter saído de enredos de obras literárias românticas: Pais com vícios
sociais e morais que nos fazem questionar o porquê de terem recebido a graça da
concepção se não possuem a menor vocação ou vontade para a educação de sua
prole; pais que passam seus desvios morais aos filhos e não aceitam que a
escola os corrija; pais que buscam provocar problemas na escola só para terem seus
interesses pessoais atendidos; pais que abusam de seus filhos e mais parecem com
inimigos públicos do que com pilares da instituição familiar... Enfim. Assim,
as escolas acabam sendo obrigadas a se tornarem “depósitos” de vidas humanas,
pois estas mesmas vidas se tornam meros objetos
inconvenientes que precisam ir para algum lugar. Como resultado, vemos o
progressivo câncer moral que parte da instituição “família” e deteriora cada vez
mais a sociedade. Impotentes, também vemos a metástase dessa patologia social
migrar para as instituições de ensino, que acabam se tornando barris de pólvora
ou centros de refinamento da corrupção humana, já que poucos são os educadores
que possuem forças para lutar contra essa realidade ou que recebam apoio da
própria comunidade escolar para coibir essa dura realidade, ao menos dentro de
seus portões.
Por
outro lado, se analisarmos o lado positivo, veremos que o termo “depósito”
também traz consigo a conotação de local
para “guardar, proteger, preservar”. A partir daí podemos ver que as
escolas passam a ser o “santuário” que existe com a finalidade de guardar as
sementes do amanhã, na esperança de que se possa replantar uma nova geração
mais bem formada e com menos mazelas sociais e morais na sua formação. No
entanto, nessa perspectiva, tanto a família quanto a escola precisam redefinir
seus papéis. Se por um lado a escola assume o papel de proteger nossos
estudantes da “maldade que existe lá fora”, por outro os pais acabam assumindo
a corresponsabilidade de proteger seus filhos e estabelecerem alianças
profundas com a escola. Nesse cenário sociopolítico e pedagógico, passa a entrar
em cena um novo tipo de pai, mãe ou responsável legal: O amigo da escola. Os
pais que realmente se fazem presentes nas escolas (que são poucos) podem ser
reconhecidos por latentes traços comportamentais: São presentes em todas ou ao
menos na maioria das reuniões promovidas pela instituição de ensino; não se
chateiam quando a escola os convoca para tratarem de assuntos envolvendo seus
filhos/tutelados; procuram os educadores e a direção da escola para
confidenciar problemas familiares e para pedir ajuda/conselhos; fazem questão
de conhecer os professores e a direção da escola pelo nome; sabem a série, sala
e até o nome de alguns colegas da turma do seu filho... e por aí vai. Escolas
que possuem em seu público interno, pais assim, possui o luxo de se destacarem
não apenas no contexto acadêmico, mas também no social. São instituições que
constantemente se transformam e transformam a realidade da comunidade em que
está inserida. Os estudantes desse tipo de comunidade tendem a ser mais bem
assistidos na sua formação acadêmica e social, passando a serem vistos como
verdadeiros “tesouros” guardados e valorizados grandemente pela sociedade
produtiva.
Assim,
como tudo gerido pela mente humana, a escola passa a ter seu lado positivo e
negativo relativizado: Se é verdade que há escolas problemáticas, também é
verdade que as famílias atendidas são tão problemáticas quanto essas escolas.
Se é fato que há escolas de “excelência”, é fato óbvio que as famílias
participantes dessas comunidades escolares são possuidoras do mais elevado
valor moral e social, independentemente da posição socioeconômica que ocupem na
pirâmide social. Portanto, quer queiramos ou não, é inegável que nossas escolas
viraram depósitos. A pergunta que dá nó na garganta e na mente é: Qual é o
valor dado àquilo que ela guarda?