quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

O espírito do Natal está quase morto

Anteontem eu fui com minha mãe, esposa e filhos ao centro. Parecia que seria uma tediosa tarde perdida com a missão de ir à ótica, mandar fazer novos óculos para mim e para meu filho mais velho.

Enquanto íamos no meu carro, eu ouvia minha mãe reclamando dos seus desafetos (tive que aumentar o som do rádio para, sutilmente, me ver livre da falação!) e em breves momentos eu olhava para as marquises das lojas e para o trânsito infernal que Manaus está vivendo, por conta das festas de fim de ano. Num dado momento ouvi minha mãe falando:

- O espírito do Natal está quase morto. - Suspira minha mãe.
- Como? - Perguntei como quem é arrancado de um sono profundo.
- As pessoas não se respeitam mais; nem mesmo nesta época do ano, em que se deveria pensar mais em Deus...

Mantive-me calado, pois preferi ficar pensando no assunto a ter que iniciar um debate teológico com minha mãe (eu sempre saio perdendo, mesmo quando ganho).

Já no centro, procurei um estacionamento para deixar meu carro e ir a pé para a ótica. Entrei no estacionamento de uma das lojas Bemol. Ao entrar, o encarregado pelo estacionamento veio até nós e explicou que o mesmo estava lotado, mas que um carro já estava saindo; pediu que eu esperasse (apontou para o local onde eu deveria ficar com o carro parado), para entrar na vaga assim que ele saísse. Executei suas ordens e estacionei o carro, aguardando a minha vaga. 

De repente, entra um outro FIAT vermelho e parou ao meu lado. Eu olhei e pensei "não... ele não teria coragem de roubar minha vaga". Assim que a vaga se abriu, o meu concorrente acelerou e entrou na vaga, sem a menor cerimônia. O meu coração disparou, e comecei a sentir algo similar ao que o Dr. Banner sente quando o seu Hulk aparece. Ao invés de ficar verde, o vermelho prevaleceu.

- Filho de uma... ! - Berrei no mesmo tom que o verde personagem gritaria "Hulk esmaga!". Acelerei o carro com a intenção macabra de jogar meu carro na traseira do meu rival. Minha mãe se segurou no sofá do carro e gritou algo que começou com o nome de um santo e terminou com um berro... De súbito, a razão voltou a mim e eu consegui frear o carro a tempo de evitar uma tragédia. Mas, ainda tomado pela ira de Hulk, parei o carro bem perto da traseira do veículo rival, de modo que ele não sairia de lá até eu sair... O homem demorou para sair do seu carro, provavelmente já me olhando pelo seu retrovisor e vendo que eu estava... como poderia dizer... sorrindo de forma ameaçadora, só esperando ele sair do carro e vir para cima...

Mas o herói da tarde, o encarregado pelo estacionamento, apareceu a tempo e mandou que o usurpador saísse da minha vaga, pois eu havia chegado antes e estava no meu direito de usá-la. O homem, atendeu à ordem, pedindo desculpas a mim como quem acaba de ver a morte chegar...

Entrei na minha vaga com um sorriso macabro e um sentimento de macho alfa dominante. Ao sairmos do carro, vi meus filhos olhando para mim horrorizados pela minha transformação e também vi minha mãe e esposa com aquele desagradável olhar de reprovação... O meu hulk murchou na hora.

- Que coisa feia! Blá-blá-blá... - Admoestavam-me as duas.

No meio daqueles puxões de orelha olhei para baixo e vi minha caçula puxando minha calça para falar comigo. Abaixei-me para falar com ela. Meu rosto já estava na minha coloração normal. Bibi (é como a apelidamos), olhou para mim com aquela candura infantil e perguntou-me à queima roupa:

- Papai, ainda é Natal? No Natal devemos ser bonzinhos... Papai Noel tá vendo tudo o que aconteceu, né?

Aquilo me doeu como um murro na boca do estômago. Eu que procuro ser um exemplo para meus alunos e filhos, naquele momento estava irreconhecível; um verdadeiro macaco em pele humana! Mais tarde eu entendi que minha filha na verdade estava achando que o "feio" da história foi o homem do Fiat vermelho. Mas minha consciência, amiga de longas datas, me condenou dizendo:

- Ela é criança e as crianças sempre acham que seus pais são heróis... O Hulk é um bom herói para servir de exemplo?

"O espírito do Natal está quase morto", veio em minha mente as palavras da minha mãe... Sorri para todos, e fomos comprar meus óculos.

À noite, no silêncio da minha cama, pedi perdão a Deus por quase me tornar um dos assassinos do Natal... Agora eu podia ver!




Um comentário:

Professor Queiroz disse...

Manoel, você é um típico homem do barrouco, de noite peca de dia reza... um "Boca do inferno da vida"...mas continue assim.. se dual é ser de certa forma autêntico.. Saudações de Lutas